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estive uma noite encerrado numa sala a ver publicidade. foram quatro ou cinco horas de imersão. em detergentes e coca-cola. contra a sida e a violência doméstica. por dificuldades de erecção e fome em áfrica. cada secção do meu cérebro foi esporeada até à exaustão. devo ter rido. a publicidade é boa nisso. devo ter pensado. a publicidade é menos boa nisso. devo ter digerido mal essa noitada. por isso ao dia seguinte recorríamos ao guronsan. naquela altura também éramos bons nisso.
não fujo ao lixo no intervalo dos filmes com desdém. regalo os sentidos e acautelo a memória. a publicidade é o que de melhor ficará depois de tudo o resto. depois de nós. digo melhor enquanto desempenho de ilusão. enquanto ilusão de ventura. enquanto ventura inócua. as novas bem-aventuranças para um futuro incerto. as músicas de reclames resistirão depois das faces que já não reconhecermos. das vozes que já não identificarmos. mas digo-o sem grande entusiasmo. a primeira razão é óbvia. não me vejo a cantar jingles num grupo terapêutico do lar. a segunda porque existe outra dimensão. e essa é civilizacional. porque emitimos seja o que for para o espaço. em matéria de radiofrequências somos incontinentes. micções nocturnas e diurnas em contínuo. uma humilhação sem fraldas. emitimos hitler e maria callas. emitimos saturno quinto e charles mason. emitimos rosebud e pol pot. o onze de setembro com glenn glould em fundo. a nossa irresponsabilidade vai longe. tudo isto saiu das nossas mãos e há muito que ultrapassou vega. hitler foi visto e ouvido por essas bandas. até responderam à jodie foster.  e possivelmente em bcc. adolfo pintor anda à boleia pela galáxia desde 1936. um rasto de setenta e cinco anos-luz de suásticas cósmicas. de outros artistas do género propagando-se à velocidade da luz. eis a verdadeira matéria negra em expansão. a par da pasta medicinal couto e do restaurador olex. a par do cruzar de pernas da sharon stone e das curvas de sofia. de rick a afastar-se de vichy mais o sargento renault. dos irmãos marx à vara larga numa noite de ópera. seria irónico se não fosse obsceno. uma vergonha para a família não saber lavar a roupa suja em casa. por isso força com o marketing de guerrilha. com as agências. força aos criativos. atulhem o cosmos de spots e teasers e slogans. irradiemos felicidade. milhões de cartas a garcias suspensos em neve carbónica. algures numa ladeira de silício. sob um pulsar ou um sistema duplo. várias dúzias de pacotes acima da radiação fóssil bastarão para divertir quartetos de olhinhos azul-cobalto. sempre esperando que não pestanejem de horror. agora sabemos que porreiro pá! se abeira de alfa de centauro. tenhamos esperança. pode ser que estejam em casa. publicidade, senhora. pode abrir? pode ser que abram a porta.

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