seis aparições de lobo antunes sobre um plátano*

Não me iludo dentro de ti ó cidade:
regressar em suaves prestações acidentais não é tanto voltar às
origens

para isso comprava uma colina nos arredores e instalava
os amigos incertos do nome das ervinhas e dos arbustos
dos pássaros nervosos ao cair da tarde
(este tinto é tão tanino,
não foi o telemóvel que tocou?)

quando batem trindades na igrejinha em festa
eco no metro da manchete no borda d’água

é mais:
desfiar a rotina de um ponto focal, a perspectiva onde pendurar o hábito e então alisar algumas dobras do tempo (e dos sinos de são lourenço)

como quem alisa papel de lustro, recorta figurinhas dos presépios perinatais e as revê transtornadas esferovite e madeira

(na sobreposição exacta da esplanada fantasma
sorvendo o café central, as borras da vida)

atrás da rede municipal que distrai o graffitti e o gueto
é preciso:
seguir o método de ocasião, ou o convite que não deserto

e pedala depois serra acima à procura de almofadas de musgo,
do veludo verde para calafetar a fé nos homens e a rudeza do cenário
(como o verde-bilhar do alentejano que descai e
arrefece as tabelas de logaritmos em véspera de ponto)

sem mudanças,
às vezes sem mãos, para efeito apenas da gincana de rua

(talvez fiques em primeiro se não entornares a
água do copo ou o ovo no pátio do liceu)
outras vezes fora de mão
na corredoura fora de horas, no duro apego ao poeta que
sonhou inquietar os indiferentes,
os vivos,
cisnes calcinados pela rolha em brasa
subtil lâmina espreita a coxa que escorrega infeliz
o ringue cheio de livramentos sem rodas
de futuros e derivados capitães alvega
da próxima sociedade civil
a rua povoada dos santos de junho e dos bons vizinhos em camisa,
saltando os serões, a fogueira e a polis e o último episódio do fugitivo,
um cromo de abril
Mas mói e rói:
até a última linha se escapar no horizonte acanhado do retrovisor

(enquanto a cidade me foge também)
até engatar na lomba da estação uma lembrança virada duplamente do avesso

o google portugal devolve:
portalegre maiúsculo em cento e dezasseis mil entradas em zero ponto dezassete segundos

(e hoje sinto-me com sorte, apeado no munisítio
sobriamente tingido nem de amarelo nem de preto)
sem qualquer link para a página do meu primeiro beijo
nenhum download desses verões sem explicação.

é por isso que tenho de mudar de motor de busca,
é por isso que ctrl+alt+del.

* publicado na revista Plátano, Março 2005

transição













Erra uma asa, partida,
Dum qualquer pássaro morto,
Que só porque erra tem vida
No mar do nada sem porto.

Reinaldo Ferreira