serviço reforçado


Foto de L. Coelho

O amarelo da Carris ostenta o claro indoor à navegação: "1 de Novembro - Reforço do serviço aos cemitérios". E mais uns detalhes lúgubres, umas explicações de boa-fé aos interessados. É mesmo, directo ao estômago: entra-se e, em vez de poema gráfico do O'Neill ou de umas mamas silicónicas no placard, é esta a viagem que nos oferece a companhia. Bonito. Felizmente, sem reforço visual da mensagem. Sem jardins de pedra.

Obliterado, pesquiso em redor. Caramba, há alguém que leia estas palavras sem estremecer? É por isso que vão todos tão calados e cabisbaixos, tão utentes do 15 para Algés? Teria sido assim em 41: serviço reforçado aos crematórios? É assim na faixa de Gaza: serviço reforçado à Intifada? Foi assim com as Mães de Bragança? Olham-me de soslaio e leio-lhes a alma: que podemos fazer? Sim, que podemos fazer?

Por reflexo, deito uma olhadela aos comandos do eléctrico. É uma mulher madura e firme, loira provavelmente de Corroios. Fico descansado. Qual barca de Caronte, qual carreta, tem é filhos e marido à espera do jantar e um hemorroidal que a faz remexer continuamente no assento.

Reforço aos cemitérios. Ida e volta ou só ida? Apenas com passe de terceira idade? Traga a família, directamente, sem paragem. É bom viajar com o marketing .

Imagino o que será no 25 de Abril. Ou no orgulho gay. Ou em manifestações contra o Governo - "reforço do serviço a S. Bento, traz outro amigo também"? É estranho viajar com o marketing que nos lembra que estamos vivos.

A hora do túnel

Sem avisar, Portugal entrou um dia no túnel do tempo (ou seria um buraco de verme?) e não voltou. Não há certezas quanto à saída do outro lado: esbarrou provavelmente na sublime sova de Henriques a sua mãe ou enfiou-se, em hora de ponta, no leito de Dona Carlota Joaquina. De qualquer forma, saiu para não voltar. É contumaz.

Portugal, se voltasse, recolheria tarde (e sem chave de casa). E ao velho Português residente, discreto hífen entre os anos, pouco ânimo restaria senão para tagarelar a sua preocupação com a demora. O menino são horas de chegar? Pois fica de castigo sem o jipe a semana inteira.

Então que fazer? - perguntava Lenine nos dias difíceis (e Abrunhosa nos restantes). Simples: escavemos! Sim, escavemos. Escavemos túneis e contra-túneis, à procura. Escavemos.
Minar é a solução clara para o nosso problema – embora suja, muito working class e cerveja preta, minemos. Como Diógenes à procura, procuremos. Não o Homem, mas o País desaparecido sem avisar. Não só de lanterna, à picareta também, a minar. Não cínicos, não senhor, mas em fila e radicais, como na Branca de Neve e no MRPP dos murais. Levados, levados, sim. Tunelemos. Pelas hortas e pelos condomínios, no Marco e na 2ª circular. Escalavremos. A terra ainda é larga, sobra para todos. Esqueçam Olivença e os subsídios. Cavemos.

O Português braçal tem, pois, uma obra e um destino pela frente: o túnel. E o seu fundo. O fundo do túnel. E ao fundo, branca e leve aleluia, qualquer luz. Ou, branco e hard aleluia, qualquer Frota. Qualquer ponte cintilante meu irmão.

O fundo do túnel: Alfa de Centauro ou Bruxelas, Quinta da Marinha em Belém. Tanto faz. Cava e emergirás. É a hora do túnel. É a hora do túnel.

Portugueses suaves

a rapariga
chegou ao balcão
e pediu um português vermelho

do outro lado veio apenas
o pacote de cigarros
que desapareceu no bolso da gabardina

saímos para a claridade do rossio
e esquecemo-nos para sempre um do outro
como o fumo
suavemente

em vermelho
em multidão

No comments

No comments, disparou MRdS à saída. O que é que ele disse? perguntou o semanário lá para trás, atingido de raspão. Que não faz comentários, esclareceu o diário logo à frente, atingido em cheio. No domingo? insistiu o semanário. Não, agora não faz comentários, esclareceu a rádio. E no domingo? intrometeu-se a TV. Mas no domingo ele já não ia fazer, bolas, saltou a revista. Professor, o que vai fazer a seguir? perguntaram em uníssono e aglomerados. No comments. Bom, mas isso já sabemos, replicou a imprensa local. O que lhe pergunto é se vai ser recebido por mais alguém, pela AR, por exemplo. No comments.

(silêncio embaraçado dos media)

Senhor Professor, que dia é hoje? atira desesperadamente a estagiária. No comments. Acha que vai chover? No comments. E o Benfica, ganha este ano o campeonato? No comments. Quantos são seis vezes sete? No comments. Olhe, Professor, parece que está a arder a sua casa de Cascais. No comments. Sabe o que é um algoritmo? Um quark? A décima milionésima parte de um quarto do meridiano terrestre? Parece que Marte é habitada por romenos... Crê que a Cinha sai primeiro que o Zé e depois do Prado Coelho? Convida-me para jantar? Como se chama? Tem horas? Empresta-me 5 euros? No comments. No comments. No comments. Táxi! Táxi! É pra Celorico, sff.

Já comentador não sou

(Com a devida vénia a Manuel Maria Barbosa du Bocage)

Já Comentador não sou!... Ao anónimo povo
Meu comentário vai faltar, desfeito em vento...
Eu ao Governo ultrajei! O meu tormento
Breve será se outra estação me acolher de novo.

Conheço agora já quão grande impacto
Fez o livro ou o assunto que comento.
SIC!... Tiveras algum merecimento,
Se num raio de inspiração me desses o contrato!

Se me arrependo? A língua sempre bravia
Brade em alto pregão à audiência,
Que atrás do domingo fantástico corria:

O outro cretino foi... A resistência
Esgotei!... Oh! Se me credes, gente pia,
Ficai de olho no canal e tende alguma paciência.

Pare, SCUT e olhe

Desenganem-se os que esperam ver aqui uma ligação infratextual do caso do professor de Sousa às façanhices da quinta das celebridades. É certo: acodem ambos pelo mesmo código postal e acentuam pecaminosamente, como o rigoroso fio dental, as poderosas nádegas da democracia portuguesa. É igualmente certo: são ambos verso e anverso de um previsível outdoor de Miguel de Sousa. É finalmente certo: nem sequer são algo triste ou algo fado, antes qualquer coisa de intermédio. Mas seria penoso, convenhamos, revisitar um lugar-comum que infortunadamente habitamos já. Condomínio fechado e licor beirão, estão a ver.

Apesar das aparências, Portugal não se resume a três sílabas mal frequentadas. Mas hoje insiste nos shortcuts: MRS, QDC, TVI... - há aqui qualquer coisa que lembra o 8 vertical truncado com o 7 horizontal (*). Juntemo-lhes agora PSL, a ver o que dá... iiiiiisso – e, em caixa baixa, rgs, o gatilho mais sensível a oeste de Los Pecos. Ou será a leste? Já com MPA, o dono da coisa, atiça-se-me o corrector automático do Word, sugerindo um inescrutável PT a bold underscript. Experimentemos ainda Belém, que se escreve, como Rato, apenas a dois tempos silábicos (tempo de semear, tempo de colher). E PP, essas ainda tímidas partes por milhão. Que alegria! Falta alguém?

Bom, mas o que é que temos? Simples: WYSIWYG. A todos em epígrafe, por isso, uma vez sem emenda, a comenda. Definitiva e justa. Púrpura. Pelos plots e pelos lots. LOL. Ao peito. Mas com jeito. Pregada.Aos restantes, que aproveitem o próximo domingo e fiquem fora até tarde, até muito tarde. Mas não demasiado. Façam a ponte. Outra ponte. Longa, prudentemente longa. Sábia e suspensa. Pênsil. E SCUT. Depois falamos.

(*) Mas então o plural de batráquio anfíbio aquático, anuro, da família dos ranídeos, não é rans?