versões beta

retomando  a passagem à sala. onde íamos?
lúcio entrou na sala à procura dos cigarros e...
ok já estou a ver. à procura dos cigarros e tal e encontrou a mulher no sofá a folhear uma revista de mod...
peço perdão. a mulher está na cozinha. não pode passar à sala sem ultrapassar o marido.
ok ok. à procura dos cigarros e não os encontrou. berrou para a cozinha ...
peço perdão. regis...
onde meteste os cigarr...
peço duplo perdão. registo três ocorrências do verbo berrar nesta cena. queres rever as anteriores para substituição lexical?
está bem. não berra e volta à cozinha. desesperado voltou à cozinha.
peço perdão. registo duas ocorrências de desesperado nesta cena. sugiro retorno sem adjectivação.
então volta à cozinha sem adjectivo. mas com advérbio. pode ser? voltou zangadamente à cozinha e
peço perdão. não registo zangadamente no meu léxico bolonha três. tenho de rejeitar. sugiro variante. em virtude da crescente tensão da cena o marido pode sair para comprar os cigarros. a variante permite gerir...
sai para comprar os cigarros e não volta mais?
perdão? alerto para inconsistência. o plot matricial não admite esse fluxo. o marido desaparece quando surge a amante do passado. a amante tem de matar primeiro o actual marido.
ai é?
sim. o marido sai para comprar cigarros. a momentânea descompressão da cena permite gerir autonomamente a condição psicológica da mulher. recordo que a mulher está à beira de um ataque de nervos quando o marido sai da cozinha. a mulher desconfia que está grávida do vizinho.
tens razão. mas eu vou dar outra solução à cena dos nervos.
aceito. atenção. atenção. modo de verificação de plágio indisponível. nível de energia crítico dentro de dez minutos. activo modo de plágio tolerado de nível 1?
não. não. vais é carregar as pilhas e entrar em modo de hibernação. hiberna ponto 10. porra.
entrada em modo de hibernação dentro de 8 segundos. alerta. alerta. tens telejantar com  os teus sogros às oito. see you later aligator. pfffiiiiiuuu.
a merda desta versão beta está cheia de bugs de insolência. e pimbalhice. não há paciência. tenho de voltar à versão anterior. entretanto onde é que pus o raio do papel? porra. onde é que ela meteu aquela  resma de papel que me ofereceu nos anos?

(josé levantou-se do sofá  e foi à cozinha. a mulher na bancada folheava uma revista de moda)
então querido está a correr bem? não se esqueça de que temos telejantar com os meus pais. é preciso comprar telepizza. querido também se acabaram os cigarros. mas onde vai querido?

criar kallos

já ninguém apura a caligrafia. eu próprio me atrapalho com o que escrevo. é triste perder a arte. é triste garatujar sem alma. antigamente exibia-se uma boa letra com orgulho. não sei fazer mais mas faço isto. é a minha marca. a fama que transporto do ditado para a redacção. como uma prenda que não sei explicar. esqueçam a ortografia. vejam os meus pês e os meus dês. admirem os rasgões do zê maiúsculo como um rasto do zorro. o érre com argola de brasão. este éfe que dá um bigode a qualquer tê grande.
não é apenas esmero nem herança. não senhor. são centos de cópias e puxões de orelhas. cópias até à exaustão. reparem que tenho a língua de fora. um calo no dedo médio. tinta no calo e na bata. eu ensino quem quiser.

a senhora aí à frente está a rir? não acredita? venha cá. suba aqui sem vergonha. aplausos para esta senhora. como é o seu nome? muito bem. é também o da minha sogra aquela santa. ora agarre aí a caneta do meu assistente. a caneta para senhora por favor. assim. não lhe morde minha senhora. venha cá. o marido pode esperar. não é tão à ponta. com suavidade. suavemente. ora não querem lá ver. isto não é o pau da bandeira minha senhora. agora vamos enfiar o aparo no tinteiro. tinta boa. tinta portuguesa. tinta do cartaxo. o médico disse-me que vinho nem vê-lo agora só bebo de olhos fechados. sem afogar a caneta. sem afogar minha senhora. isso. menos tinta. menos tinta que a vida está cara e eu não tenho o rendimento garantido. bata na borda. na bordinha do meio. é para aliviar um pouco a carga. e agora devagar devagar para o papel. devagar. escreva o que quiser. pode deixar o seu número de telefone para qualquer emergência. ai se a minha mulher me ouve. ouve o metal raspar a fibra. o papel não se importa. faz impressão? mas é normal minha senhora. é normal. mas saia daí. depressa senão afoga o ponto final. cautela. cautela. nem tão fundo nem tão levezinho. a pressão certa sem vincar. e eu que passo as minhas calças todos os dias. e agora siga o pautado. isso. mudar de linha. mudar de vida como diz o outro. letra grande claro. letra grande como as que tenho no banco. a folha tem sede mas vá devagar. a pauta é o rego. o rego minha senhora. o regador é a caneta. tem de molhar outra vez. está a secar. está a secar. tem de molhar outra vez. oh minha senhora mas esta não é de tinta permanente. tem de molhar. ai há quanto tempo eu não molho o bico. vamos devagar. tinta permanente é outra coisa. isso é já liga dos campeões. tem de merecer essa honra. ah pois é. tinta permanente não é para todos. agora é poisar a caneta e deixar apurar. que está quase a levantar fervura. é descansar. é descansar. o aparo agradece. aplausos para a senhora. aplausos para o marido que já se quer ir embora. há mais alguém para agarrar na caneta?

(não por acaso joão da ega elogiou a caligrafia de dâmaso salcede. caramba. era o seu último refúgio de dignidade). 

pub

estive uma noite encerrado numa sala a ver publicidade. foram quatro ou cinco horas de imersão. em detergentes e coca-cola. contra a sida e a violência doméstica. por dificuldades de erecção e fome em áfrica. cada secção do meu cérebro foi esporeada até à exaustão. devo ter rido. a publicidade é boa nisso. devo ter pensado. a publicidade é menos boa nisso. devo ter digerido mal essa noitada. por isso ao dia seguinte recorríamos ao guronsan. naquela altura também éramos bons nisso.
não fujo ao lixo no intervalo dos filmes com desdém. regalo os sentidos e acautelo a memória. a publicidade é o que de melhor ficará depois de tudo o resto. depois de nós. digo melhor enquanto desempenho de ilusão. enquanto ilusão de ventura. enquanto ventura inócua. as novas bem-aventuranças para um futuro incerto. as músicas de reclames resistirão depois das faces que já não reconhecermos. das vozes que já não identificarmos. mas digo-o sem grande entusiasmo. a primeira razão é óbvia. não me vejo a cantar jingles num grupo terapêutico do lar. a segunda porque existe outra dimensão. e essa é civilizacional. porque emitimos seja o que for para o espaço. em matéria de radiofrequências somos incontinentes. micções nocturnas e diurnas em contínuo. uma humilhação sem fraldas. emitimos hitler e maria callas. emitimos saturno quinto e charles mason. emitimos rosebud e pol pot. o onze de setembro com glenn glould em fundo. a nossa irresponsabilidade vai longe. tudo isto saiu das nossas mãos e há muito que ultrapassou vega. hitler foi visto e ouvido por essas bandas. até responderam à jodie foster.  e possivelmente em bcc. adolfo pintor anda à boleia pela galáxia desde 1936. um rasto de setenta e cinco anos-luz de suásticas cósmicas. de outros artistas do género propagando-se à velocidade da luz. eis a verdadeira matéria negra em expansão. a par da pasta medicinal couto e do restaurador olex. a par do cruzar de pernas da sharon stone e das curvas de sofia. de rick a afastar-se de vichy mais o sargento renault. dos irmãos marx à vara larga numa noite de ópera. seria irónico se não fosse obsceno. uma vergonha para a família não saber lavar a roupa suja em casa. por isso força com o marketing de guerrilha. com as agências. força aos criativos. atulhem o cosmos de spots e teasers e slogans. irradiemos felicidade. milhões de cartas a garcias suspensos em neve carbónica. algures numa ladeira de silício. sob um pulsar ou um sistema duplo. várias dúzias de pacotes acima da radiação fóssil bastarão para divertir quartetos de olhinhos azul-cobalto. sempre esperando que não pestanejem de horror. agora sabemos que porreiro pá! se abeira de alfa de centauro. tenhamos esperança. pode ser que estejam em casa. publicidade, senhora. pode abrir? pode ser que abram a porta.

a propósito da líbia

voltando ao egipto. o egipto só me tirava o sono em vésperas de exames de história. já o tinha encontrado no technicolor dos dez mandamentos e na história do pim pam pum sobre a maldição da múmia. depois por outros sítios. nos segredos das pirâmides. no blake & mortimer. na morte no nilo. com o eça na inauguração do canal do suez. e muito cedo no conflito israelo-árabe. deixei de acreditar no menino jesus quando tomei conhecimento da disputa entre israel e os árabes. foi há muito tempo e temos envelhecido juntos. árabes e judeus. o médio oriente e eu. a minha descrença nos homens. 
o egipto agora acordou para o mundo. o mundo também acordou. é preciso actualizar o trivial pursuit. deitem fora omar shariff e o seu bridge à jivago. a dalida e o incêndio da biblioteca. nasser e o coro dos hebreus. o egipto veio gritar para a rua e para a cnn. tocaram a nossa costela egipciana. a praça  tahir é maior do que o largo do carmo. alguns procuram o capitão maia em cada tanque em riste. não sei se acordaram as múmias. não sei como se regulam estas cheias do nilo. talvez transbordem os crocodilos. talvez moisés seja rejeitado pela filha do faraó. vejam a história de bilal. uma nave de pedra paira sobre a cidade. dentro da pirâmide suspensa hórus de hierakonópolis é julgado por evasão. por heresia. por rebelião. é preciso evitar que hórus escape uma vez mais. o filho de osíris não pode descer novamente à cidade. nas vielas do cairo os descendentes de sem e de cam aguardam. mas talvez não saibam que ao deus tudo é permitido. até soldar-lhes próteses de aço às pernas. ou à cintura.

(escrito em 1 de Fevereiro)