começar bem

Leitor, tu és imbecil. Leitor, vai comer no cu. Estas primeiras linhas não assegurariam por si só a imortalidade a uma obra e, pelos vistos, nem uma modesta entrada nos cem mais famosos arranques romanescos que é possível encontrar pela mão do Google. Aí há de tudo e pelas mais diversas razões: pela simplicidade e concisão, pelo achado, pela extensão. Poucas vezes, ao que parece, pela provocação.
Todavia, parece-me fácil bater toda essa gente, pois desconfio que tais listas resultam da selecção, enviesada, de romances já famosos. Ora aqui há batota. Fama atrai fama. Muitos autores medíocres e desconhecidos ficam assim de fora, por serem pouco lidos ou desdenhados. Falo da imensa classe média de escribas que, tal como as pequenas e médias empresas na economia, são o grosso do tecido literário mundial.
Leitor, não chegarei ao fim destas linhas sem mandar bugiar os tipos que impingem listas das primeiras linhas mais sublimes, como impingem citações e o anedotário dos grandes deste mundo. Encosta-se aos balcões das tascas gente mais inspirada que o mainstream dos canais culturais. Esse desafio escatológico, infelizmente, está por lançar, numa ronda pelos bairros, aos militantes da mini e da pevide. Ora diga lá como começava um romance. Algo do género, provavelmente, depois de retocado,

Só me mexo com o meu marido, dizia a puta imóvel debaixo de mim. Olhei para ela e percebi que não valia a pena protestar. Ainda por cima, já tinha pago e o chulo esperava nas escadas.


Ainda hoje não percebo por que me descuidei tão estrondosamente no elevador apinhado com aquele peido homérico e não argumentativo, dos que fazem rir com gosto a plateia no escuro do cinema. Mas percebi o seu efeito retardado na sorte da entrevista para primeiro emprego, dez minutos mais tarde, precisamente com um dos ocupantes ultrajados e hoje meu assistente de direcção.

De todos os imbecis machos do meu condomínio, gente dos serviços como eu, dos engravatados e grunhos de duvidosa classe média com que me cruzo de manhã e baptizo cerimoniosamente, entre dentes, a partir da taxonomia privada que elaborei cuidadosamente durante anos, de toda essa mole enjipada e enjoada de si própria que joga squash, foi a Cuba e tem casa no Alentejo, enfim, de todos os alfas e betos que coabitam uns escassos milhares de metros cúbicos de betão envolto por jardim, cerca e segurança privada na enésima encosta de Lisboa, coube a este vosso amigo que vos escreve e que vos agradece por ser lido, a mim precisamente, a glória dúbia de se tornar, de uma assentada, overnight, zás, sem espinhas, marido cornudo, pai de lésbicas, irmão de gay, director despedido e proprietário de um bingo clandestino. Ora oiçam a minha história.

Há também modos famosos de acabar, mas esses não vou agora procurar no Google. Até porque, francamente, meus caros, estou-me nas tintas. Lamento apenas que não tenham sido tuas as últimas palavras, Rhett Butler.

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