verbo falir

estou quase falido. devo ao meu prédio, ao meu bairro, a vagos primos na província. preparo-me para dever ao país.
vivi seis meses acima das minhas possibilidades. comprei um gato e mandei arranjar os estores da cozinha. o resultado está aí. hoje vivo à beira da clandestinidade e nem sequer odeio especialmente o status quo. mas colou-se-me um rating que sinceramente não mereço.
evito o vizinho a quem cravei couves e cebolas, o dentista que amoleci na consulta ao molar esganado, o tasqueiro à esquina que me fiou uma tarde de imperiais. o lingrinhas dos jornais acena-me com uma expressão estranha. o do talho manda o filho no meu alcance (sorte ser obeso). e o casal dos frangos, contemplando as peles crestadas, talvez sonhe ver-me chiar sobre brasas eternas. resta-me o barbeiro, que entretanto foi aparar o queixo ao s. pedro.
um actor de fama duvidosa que não no bairro tem-me adiantado euros em troca de porções assustadoras da minha colecção de bd. troca directa. expediente doloroso. espero não chegar ao corto maltese, aos meus sete por cento psicológicos. não aguentaria tal perda de soberania.
espreito desolado o cartão de crédito e o cartão de débito. estão coçados e praticamente inoperacionais. valem escandalosamente menos do que o plástico em que estão impressos. vejo pelo canto do olho a pilha de contas sobre a secretária enquanto descarto amigos do facebook a quem telefonar. ou sou eu próprio removido como quem espreme um ponto negro e relaxa. que faz um artista sem subsídios sem o número de telefone da ministra da cultura? inscreve-se num partido? faz short selling?
comecei a plantar ervinhas no terraço e espero pacientemente o trabalho da natureza. tão lenta, a natureza. tão lento o meu génio. ninguém me paga pelos blogues que recheio até de madrugada, pelo diário que vou organizando sobre a minha dieta do mundo. alguém aspirava a entrar no supermercado e comprar tudo o que precisasse com a sua beleza. mas ser beat em s. francisco era certamente mais fácil do que alternativo em campo de ourique.
que fazer meu deus? a amazon continua a tentar-me com ofertas especiais. e a miúda do spa fronteiro não deixa de me fazer massagens de olhinhos quando o meu ego se cruza com o dela.
olho o picasso esgazeado que se encosta ao canto coberto de pó. é provavelmente o mais contrafeito dos contrafeitos picassos esgazeados ao canto de qualquer chafarica. mas a moldura é de bom gosto e deve valer um swap decente na baixa. vou tentar a sorte. que diabo. saco a moldura, pontapeio o picasso para debaixo da cama e abandono o meu tê-um. odeio o sol que me encandeia. odeio esta venda irrevogável de activos. mas amanhã quero ir ver o benfica à luz e oferecer uma lembrança difícil ao meu gato. o meu companheiro de infortúnio precisa urgentemente de ser capado. a mim também me custa. mas não foi isto que abril prometeu. nem o euro. bolas. quero comprar o jornal mas não posso. quero engraxar os sapatos mas não devo. resolvo então mandar parar o táxi.

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