Objectos por perder I

- o telemóvel
Lembro-me de um tijolinho amarelo e azul que o meu avô guardava num baú juntamente com outra tralha. Quando lhe pedíamos, ia buscá-lo ao quarto, retirava-o com toda a solenidade do estojo, limpava cuidadosamente o mostrador de vidro e explicava como servia para mandar mensagens e falar com as pessoas. Ainda hoje acho incrível a velocidade com que mexia o seu grande polegar (que, de certa forma, herdei) sobre as teclas pequeninas. Ríamos imenso quando imitava um condutor a conduzir, todo torcido e fazendo caretas.
Não sei como, arranjara um modo de recarregar as baterias e pô-lo a tocar e nós conhecíamos todas as melodias de cor. Há poucos anos, vi um exemplar quase igual no MOMA (Museu de Objectos Muito Antigos).
Às vezes, apareciam amigos dele lá em casa. Iam para o escritório (a minha mãe dizia que eram as maluquices do avô) e lembro-me perfeitamente de, ao passar à porta - ele não me deixava assistir - ouvir um formidável concerto de apitos, campainhas e outros sons estranhos.
O telemóvel, um dia, desapareceu. Nunca se soube como, mas ficou a suspeita de que tinha sido um técnico de RV, ao que parece coleccionador de coisas antigas, que costumava fazer a manutenção de rotina. O meu avô teve um grande desgosto e fechou-se durante uma semana no quarto, a atacar V-Portais e a comer BioPizzas.

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