A mola

Escorrega-me entre os dedos e, com um último ressalto na corda de nylon, inicia a queda em direcção ao centro da Terra - aprendi há muito que acelera a nove metros por segundo quadrado.
Sigo-a com pena e alguma irritação (é a terceira nesta semana) e imagino mesmo que volteia em câmara lenta. Lembra-me o osso que o macaco lança ao espaço e se transforma em nave danubiana. Ou a garrafa atirada do avião para o meio de uma tribo africana. Deve haver com certeza outros objectos simples apanhados numa história mais complicada do que a sua obscura existência...
Enquanto o chão se aproxima (é difícil entender como os dois corpos se atraem mutuamente), prometo um guião que tire do esquecimento esta classe de servidores domésticos. Recolho o resto da roupa, fecho a janela e decido que não vou lá abaixo outra vez. Liberto-a para sempre e sei que amanhã já não a encontrarei.

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