I
Cai a tarde docemente,
cai aos poucos, sem vontade
cai no campo e na cidade
cai ao ritmo de quem sente
II
Cai leve, levemente
como quem chama por mim
será chuva, será gente ?
(...)
Fui ver: era a Tarde.
III
Ontem, pelas seis horas, caiu a Tarde numa travessa do Bairro Alto. Solícitos, os transeuntes levantaram-na e sacudiram-lhe o pó do casaco. Ainda trôpega (mas mal agradecida), a Tarde rumou ao Cais do Sodré e, sem qualquer explicação, sorveu uma boa porção da água do rio.
- Amanhã volto cá, rugiu para os utentes do cacilheiro que acabava de encalhar junto ao cais. - Volto cá e bebo o resto. E arrotou de naftasisfação. Depois, perdeu-se nas ruas dos bares.
Mas não voltou para cumprir a ameaça. Hoje, quem mora da outra banda atravessou sem molhar os pés e o dia morreu subitamente. À noite vão contar histórias de cacilheiros no rio e enjoos nas manhãs de temporal.
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